1. O que legislação prevê:

A Lei Estadual nº 13.296/2008, que estabelece o tratamento tributário do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, originalmente, isentava do IPVA um único veículo de propriedade de pessoa com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autista (art. 13 da Lei Estadual nº 13.296/2008, com a sua redação original).

Contudo, referido diploma legal, dentro de reforma de iniciativa do Executivo, foi alterado, gerando novo regramento absolutamente discriminatório e inconstitucional em relação às pessoas com deficiência; excluindo a referida isenção para mais de 80% destes, efeito concreto danoso que ora se procura reparar

Com a sanção da Lei Estadual nº. 17.302, de 11 de dezembro de 2.020 o novo regramento da isenção referida passou a ter a seguinte redação: 

Artigo 13 – É isenta do IPVA a propriedade:

III – de um único veículo, de propriedade de pessoa com deficiência física severa ou profunda que permita a condução de veículo automotor especificamente adaptado e customizado para sua situação individual. (NR) – Inciso III com redação dada pela Lei nº 17.293, de 15/10/2020.

§ 1º – As isenções previstas neste artigo, quando não concedidas em caráter geral, serão efetivadas, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos para sua concessão

§ 1º-A – Relativamente à hipótese prevista no inciso III: (NR)

1. a isenção aplica-se a veículo: (NR)

a) novo, cujo preço de venda ao consumidor sugerido pelo fabricante, incluídos os tributos incidentes, não seja superior ao previsto em convênio para a isenção do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS nas saídas destinadas a pessoas com deficiência; (NR) b) usado, cujo valor de mercado constante da tabela de que trata o § 1º do artigo 7º desta lei não seja superior ao previsto no convênio mencionado na alínea “a” deste item; (NR)

2. Revogado;

3. Revogado;

4. Revogado;

5. Revogado. – Itens 2 a 5 revogados pela Lei nº 17.293, de 15/10/2020.-

§ 1º-A acrescentado pela Lei nº 16.498, de 18/07/2017, produzindo efeitos a partir de sua regulamentação.

§ 2º – As isenções previstas nos incisos III a VI deste artigo aplicam-se:

1 – somente aos veículos em situação regular, na data da ocorrência do fato gerador, quanto às obrigações relativas ao registro e licenciamento;

2 – às hipóteses de arrendamento mercantil.

§ 3º – No caso do inciso VI deste artigo, em se tratando de proprietário pessoa física, fica limitada a isenção a um único veículo, de propriedade de motorista autônomo regularmente registrado no órgão competente e habilitado para condução do veículo objeto do benefício.

Acrescentou-se, também, o art. 13-A, com a seguinte redação

Artigo 13-A – Fica o Poder Executivo autorizado a conceder, na forma e condições estabelecidas pela Secretaria da Fazenda e Planejamento, isenção de IPVA para um único veículo de propriedade de pessoa com deficiência física, visual, mental, intelectual, severa ou profunda, ou autista, que impossibilite a condução do veículo.

 § 1º – O veículo objeto da isenção deverá ser:

1. conduzido por condutor autorizado pelo beneficiário ou por seu tutor ou curador;

Como se percebe, em razão da edição da Lei Estadual nº 17.293/2020, houve uma atualização restritiva da Lei Estadual nº 13.296/2008, passando a ter direito:

2. Quem terá direito à isenção?

Condutores: Com a Lei 13.296/2008com a redação dada pelos artigos 21 e 68 da Lei 17.293/2020,  permanece a isenção às pessoas com deficiência física severa ou profunda, desde que permita a condução de veículo especialmente adaptado e customizado para sua situação.

Não-Condutores: pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental, severa ou profunda, ou de autismo, que as tornem totalmente incapazes de dirigir veículo automotor, também continuarão usufruindo do benefício. Os veículos deverão ser conduzidos por motoristas autorizados pelo beneficiário da isenção ou por seu tutor, curador ou representante legal.

O próprio Governo do Estado, através da sua Secretaria de Fazenda, anunciou que os condutores não portadores de deficiências severas, que não exigem adaptação do veículo para sua situação, não terão mais direito ao benefício, disponibilizando o quadro abaixo:

 

FICAM SAEM FICAM
     
Quem possui deficiência e precisa de adaptação veicular Quem possui deficiência em que não é necessária a adaptação veicular Não-condutores
     
Exemplo Pessoa com deficiência física que requer adaptação no veículo.   A isenção é para cobrir o investimento gasto nas modificações necessárias, como inversão do pedal do acelerador, comandos manuais de acelerador e freio, adaptação de comandos do painel no volante e outras.   Exemplo Hérnia de disco, mastectomia, tendinite, síndrome do túnel do carpo, artrose e outras.     Quando não há modificações no veículo a isenção não é necessária, já que o carro vem com as devidas alterações de fábrica.   Exemplo Deficiente físico, visual, mental, intelectual, ou autista.     A isenção é para o deficiente que depende de um familiar ou mediador para levá-lo ao seu destino.  

Segundo a nova Lei 17.293/2020, passam a ser exigências para obtenção da isenção de IPVA, a indicação de restrições no campo “Observações” da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Desse modo, apenas com o apontamento das seguintes restrições haverá o direito de se manter a isenção.

3. Exigências para obter a isenção

Conheça a tabela das restrições médicas com a letra indicada na CNH: 

Código CNHDescriçãoSituação
AObrigatório o uso de lentes corretivasNão 
BObrigatório o uso de prótese auditivaNão
CObrigatório o uso de acelerador à esquerdaSim
DObrigatório o uso de veículo com transmissão automáticaNão
EObrigatório o uso de empunhadura / manopla / pômo no volanteSim*
FObrigatório o uso de veículo com direção hidráulicaNão
GObrigatório o uso de veículo com embreagem manual ou com automação de embreagem ou com transmissão automáticaNão
HObrigatório o uso de acelerador e freio manualSim
IObrigatório o uso de adaptação dos comandos de painel ao volanteSim
JObrigatório o uso de adaptação dos comandos de painel para os membros inferiores e/ou outras partes do corpoSim
KObrigatório o uso de veículo com prolongamento da alavanca de câmbio e/ou almofadas (fixas) de compensação de altura e/ou profundidadeSim
LObrigatório o uso de veículo com prolongadores dos pedais e elevação do assoalho e/ou almofadas fixas de compensação de altura e/ou profundidadeSim
MObrigatório o uso de motocicleta com pedal de câmbio adaptadoSim
NObrigatório o uso de motocicleta com pedal de freio traseiro adaptadoSim
OObrigatório o uso de motocicleta com manopla do freio dianteiro adaptadaSim
PObrigatório o uso de motocicleta com manopla de embreagem adaptadaSim
QObrigatório o uso de motocicleta com carro lateral ou tricicloSim
RObrigatório o uso de motoneta com carro lateral ou tricicloSim
SObrigatório o uso de motocicleta com automação de troca de marchasNão
TVedado dirigir em rodovias e vias de trânsito rápidoNão
UVedado dirigir após o pôr-do-solNão
VObrigatório o uso de capacete de segurança com viseira protetora sem limitação de campo visualNão
WAposentado por invalidezNão
XOutras restriçõesNão
YSurdo (restrição impressa como X na CNH)Não
ZVisão Monocular (Restrição impressa com X na CNH)Não

4. Consequências da alteração legislativa: Ação Civil Pública para suspensão da cobrança do IPVA

O Ministério Público ajuizou uma Ação Civil Pública para que fosse suspenso o pagamento do IPVA em relação aos contribuintes deficientes que tinham isenção do recolhimento no exercício de 2020, até que a Fazenda realizasse a devida análise com base nas exigências normativas, caso a caso, dos requerimentos efetivados pelos contribuintes com deficiência grave ou severa.

O que a ação propõe é que o Estado de São Paulo não se utilize como parâmetro de referência para análise da deficiência grave ou severa unicamente a necessidade de adaptação dos veículos.

O Ministério Público solicita que sejam suspensas as cobranças do IPVA de 2021 para os condutores residentes no Estado de São Paulo enquanto o Poder Público analisa novamente os requerimentos já cadastrados de isenções vigentes e então identifique se tratar de deficiência leve, moderada ou grave.

Segundo o Ministério Público:

A diferenciação ilegal, ferindo, entre vários outros, o princípio da igualdade tributária, trata como fato gerador da tributação ou da isenção não a condição vulnerável do contribuinte deficiente, mas o tipo de adaptação implementada no veículo.

Sem querer particularizar situações individuais, mas algumas dessas representações materializam o absurdo discriminatório desta norma. Imaginemos a situação narrada por um dos representantes: uma pessoa com a amputação da perna direita necessitaria de adaptação, com a inversão dos pedais do acelerador e do freio e, assim, seria contemplada com a isenção de cobrança de IPVA; por sua vez, aquele com amputação da perna esquerda – que necessitaria somente de um carro com câmbio automático -, não seria isento da cobrança do recolhimento do IPVA, ainda que com grave e idêntica limitação de mobilidade!

Note que não há discussão sobre a lei contemplar apenas as deficiências severas e graves como beneficiários da isenção. O que se discute é a forma como as deficiências serão identificadas para fins de manutenção ou extinção da isenção. Dessa forma é o que Ministério Público se valeu da Ação Civil Pública solicitando que fosse suspensa a exigibilidade do IPVA de 2021, até que se realizasse avaliação, caso a caso.

Esta é a medida mais coerente. Mesmo porque a própria Lei nova já prevê que a avaliação das condições dos requerentes deficientes devem ser efetivadas em concreto, caso a caso, pela Secretaria da Fazenda! Observe:

Assim dispõe o § 1º do novo art. 13:

 § 1º – As isenções previstas neste artigo, quando não concedidas em caráter geral, serão efetivadas, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos para sua concessão

O Ministério Público propõe a ação para suspensão da cobrança do IPVA enquanto haja reapreciação das isenções por parte do Poder Público, isto porque classificar a deficiência  como severa ou grave apenas pelo fato de se necessitar de adaptações nos veículos não pode prosperar.

Também assim porque a definição de deficiente, segundo a  Lei Federal nº 13.146, de 06 de julho de 2.015, não deixa dúvidas. Veja:  

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará: (Vigência)

I – os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;

II – os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;

III – a limitação no desempenho de atividades; e IV – a restrição de participação.

§ 2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência. (Vide Lei nº 13.846, de 2019)

Decisão acerca da Ação Civil Pública:

O Relator do recurso, Ministro Nogueira Diefenthaler, acolheu nesta sexta-feita, dia 22 de janeiro de 2021, o pedido no bojo da Ação Civil Pública e suspendeu, em sede de liminar, a exigência do IPVA do exercício de 2021, até que o Poder Público aprecie as concessões.

Defiro a antecipação da tutela, com fundamento no art. 1.019, I, do CPC.

Ao menos a princípio, verifica-se que a nova exigência estabelecida pela Lei estadual nº 17.293/2020 para a concessão da isenção do IPVA, qual seja, a de que o veículo seja necessariamente adaptado para a situação individual de cada  motorista, acaba por criar discriminação indevida entre os motoristas portadores de deficiência, em prejuízo daqueles que possuem deficiência grave ou severa mas que não necessitam de veículo adaptado, em aparente violação ao princípio constitucional da isonomia.

Importante ressaltar que a decisão foi deferida em sede de liminar, podendo sofrer alterações durante o tramite da referida ação judicial, não tendo como prever, numa análise sumária, como o Tribunal modulará os efeitos da decisão.

Nesse caso, a recomendação para se evitar quaisquer incidência de juros e correção monetária no futuro pelo não pagamento oportuno do IPVA é que se realize o pagamento regular do imposto em 2021 e ingresse, futuramente, a depender do provimento judicial da referida Ação Civil Pública, com uma medida judicial para restituição dos valores pagos; medida cabível apenas se o beneficiário não for contemplado  pelas regas da Portaria CAT-95, abaixo explicada.

5. Portaria CAT-95 de 09 de dezembro de 2020.

Assim como já explicitado, a Lei Estadual nº. 17.302/2020 deu novo regramento da isenção do IPVA, concedendo-a apenas aos beneficiários que tenham especificamente adaptado e customizado seu veículo para sua situação individual.

Contudo, em dezembro de 2020, o Governo de São Paulo editou a Portaria CAT-95 estabelecendo algumas exceções quanto à exigência de adaptação dos veículos.

A Portaria determinou que não se exigirão, tais adaptações nos veículos, quando o laudo pericial acusar expressamente que a pessoa interessada apresenta uma das seguintes patologias em caráter permanente (§ 4º, artigo 2º).

§ 4º – Não será exigida a indicação de restrição prevista no § 3º, quando o laudo pericial acusar expressamente que a pessoa interessada apresenta uma das seguintes patologias em caráter permanente:

1 – hemiplegia lateral esquerda;

2 – monoplegia de membro superior esquerdo ou direito, ou de membro inferior esquerdo;

3 – diplegia dos membros superiores;

4 – amputação traumática de membro superior esquerdo ou direito, localizada entre o ombro e o punho; 

5 – amputação traumática de membro inferior esquerdo, localizada entre a articulação do quadril e o tornozelo.” (NR);

Nesses casos, é importante que o beneficiário da isenção de IPVA-SP analise seu laudo de constatação de deficiência e verifique se algumas das patologias indicadas acima foi identificada pela perícia oficial no seu quadro de saúde. Acaso a resposta seja positiva e ainda assim o contribuinte tenha tido lavrada sua cobrança de IPVA será possível ingressar com uma medida judicial – antes do pagamento da dívida – para obrigar o Poder Público a não cobrar o imposto, declarando a manutenção da isenção, nos termos da Portaria CAT-95, artigo 2º, §4º.

 TJ-SP 2006269-89.2021.8.26.0000

PORTARIA CAT -95

Lei 17.293/2020

Lei 13.296/2008


Natalia Scalabrini

Natália Scalabrini é bacharel em Direito. Especialista em Direito Civil. Especialista em Direito Processual Civil. Especialista em Direito Previdenciário. Após se tornar paciente oncológica aos 28 anos de idade fundou o Instituto de Ensino Câncer Direitos, a primeira Escola do Brasil a tratar sobre os direitos dos pacientes com câncer.

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