A 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça, na apreciação da Ação de Obrigação de Fazer promovida por paciente com câncer do timo (CID C37) e Síndrome de Veia Cava Superior com Trombose,  condenou o SUS a fornecer o fármaco Rivaroxabana, conforme prescrição médica, sendo um comprimido por dia, por tempo indeterminado, nos termos da prescrição

  1. O medicamento Rivaroxabana

O medicamento Rivaroxabana não está incorporado à lista do RENAME.

Sendo assim, foi necessária a aplicação da tese fixada no RESp 1.657.156-RJ, julgado sob o rito de recursos repetitivos (tema 106 do STJ), que trata de medicamentos não constantes da lista do SUS/RENAME.

  • Tese fixada no RESP 1.657.156-RJ (Tema 106 STJ)

A Tese Firmada no Tema Repetitivo nº 106 do STJ determina que:

A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:

  1. Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
  2. Incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
  3. Existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.”
  • Como a tese se aplica ao caso do paciente 

Considerando que o medicamento Rivaroxabana não está incorporado à lista do SUS, o paciente que tenha recebido prescrição medica de uso do fármaco no tratamento deverá demonstrar o cumprimento dos requisitos fixados na tese do STJ.

A comprovação da necessidade do medicamento se deu através de relatório medico confeccionado por profissional da saúde que acompanha a paciente.

Veja como o Tribunal de Justiça se posicionou sobre o tema:

Ora, o médico é profissional legal e tecnicamente habilitado, detendo autonomia no exercício de sua profissão, para avaliar o caso, aferir e prescrever qual o melhor tratamento indicado ao seu paciente para o reestabelecimento de sua saúde.

O médico independentemente se da rede pública ou privada é profissional legal e tecnicamente habilitado, detendo autonomia no exercício de sua profissão.

A incapacidade financeira também precisa ser demonstrada. Aqui é relevante destacar que a incapacidade financeira deve estar relacionada com a possibilidade de aquisição do fármaco prescrito. Explica-se: Muitos acreditam que para se socorrer da justiça seja necessária situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência financeira, o que não revela verdades. Isso porque este elemento deve estar relacionado com o custo do fármaco que o paciente pleiteia na justiça.

Por fim, cumpre informar que o medicamento pleiteado, Rivaroxabana 20mg, possui registro na Anvisa, inclusive para tratamento da doença que acomete a autora.

  • Demais teses apreciadas pelo Tribunal de Justiça

O Poder Público relutou para fornecer o medicamento, mesmo diante da condenação do Tribunal de Justiça. Sustentou que tratando-se de medicação fora dos quadros do SUS não deveria ser disponibilizado, pois o fato geraria o benefício de um cidadão e prejuízo dos demais, por comprometimento financeiro dos entes.

Veja como o Tribunal se posicionou:

O direito à saúde não está adstrito à discricionariedade do poder público, mas a ato estritamente vinculado, uma vez que ao Estado é imposto o dever de prestar ampla assistência médica e farmacêutica aos que dela necessitam (art. 196 da Constituição Federal).

Nessa senda, não é possível se acolher, cegamente, as padronizações e protocolos clínicos de atendimento disponibilizados, pela administração pública, à população, sob pena de, suplantando-se o quadro de  saúde e as necessidades particulares de cada indivíduo, incorrer-se em violação ao direito à vida, à dignidade da pessoa humana e à própria saúde como dever do Estado.

Aliás, tendo em vista a unicidade do sistema de saúde (SUS), as três entidades federativas (Munícipio, Estado e União) são solidariamente responsáveis pela prestação de ações e serviços de saúde (art.198 da Constituição Federal e Lei nº 8.080/90), podendo ser cada uma delas, individual ou conjuntamente, demandada para responder sobre tal obrigação.

  • Fixação de Multa por dia de atraso no fornecimento

Algumas vezes, até mesmo com condenação judicial os entes públicos se esquivam do fornecimento dos medicamentos. Assim é que as advocacias especializadas já solicitam a fixação de multa por dia de atraso na disponibilização do fármaco.

A estipulação de multa tende a trazer maior comprometimento do Poder Público na satisfação da decisão judicial, disponibilizando o medicamento com a maior rapidez possível.

No caso em apreciação fora acatada a solicitação de multa por dia de atraso no fornecimento. Veja o que o Tribunal determinou:

A multa é o meio mais eficaz para o cumprimento da obrigação imposta, não sendo vedada por nenhum dispositivo legal. Com efeito, a imposição das astreintes figura-se como medida indispensável à proteção à vida e saúde da pessoa que necessita do tratamento terapêutico  com urgência.

Recentemente, o C. STJ espancou qualquer dúvida quanto à  possibilidade de imposição de multa cominatória à Fazenda Pública em caso de descumprimento de decisão judicial (astreintes) relativa ao fornecimento  de medicamentos, ao dar provimento ao REsp 1474665-RS, sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 98)1, que discutia tal possibilidade

Com efeito, importa elucidar que a imposição de ‘astreintes’ é medida indispensável à proteção à vida e à saúde, e tem por objetivo desestimular a inércia injustificada em cumprir a determinação judicial, devendo ser fixada à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Ora, é evidente que a multa diária fixada pelo MM. Juízo a quo tem por escopo evitar eventual descumprimento da determinação judicial, de modo a assegurar a proteção da vida e da saúde da agravada.

Contudo, pela inteligência do art. 537, §4°, do CPC/2015, a multa é devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão. Isto é, de acordo com a legislação atual, não se mostra possível limitar a incidência da multa, que vigerá até o cumprimento da obrigação, não havendo que se falar, na pretendida limitação.

TJ-SP 1006555-24.2019.8.26.0269


Natalia Scalabrini

Natália Scalabrini é bacharel em Direito. Especialista em Direito Civil. Especialista em Direito Processual Civil. Especialista em Direito Previdenciário. Após se tornar paciente oncológica aos 28 anos de idade fundou o Instituto de Ensino Câncer Direitos, a primeira Escola do Brasil a tratar sobre os direitos dos pacientes com câncer.

0 comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *