A 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça, na apreciação da Ação Condenatória promovida por paciente com câncer de mama metastático para coluna e quadril, condenou o Plano de Saúde Notre Dame Intermédica Saúde S/A a fornecer o fármaco Ribociclibe, conforme prescrição médica.

  1. Da negativa do fornecimento pelo Plano de Saúde

A paciente é beneficiária de plano de saúde operado pela Notre Dame Intermédica Saúde há anos, embora isso não tenha sido levado em consideração no momento da recusa pelo plano.

Alguns dos fundamentos apresentados pelo plano, em sede de processo judicial, para a recusa no fornecimento do medicamento Ribociclib foram:

  1. cerceamento de defesa (CRFB 5º LV e CPC 369), pois foi impedida de produzir perícia que provaria a desnecessidade do medicamento pretendido;
  2. que não tem obrigação legal ou contratual de cobrir o medicamento, que não consta do rol da ANS e não foi recomendado pelo Natjus do TJ do Ceará, descabendo fornecê-lo sob pena de impactar negativamente o equilíbrio atuarial entre contribuições e despesas;
  3. inexistir dano moral, seja porque a operadora não agiu ilicitamente ao negar a cobertura de medicamento ausente do rol da ANS, seja ainda porque descumprimento contratual não gera dano moral em regra.
  • Posicionamento do Tribunal de Justiça:

As desculpas inventadas pelos planos de saúde para tentar se eximir do cumprimento das suas obrigações são realmente muito criativas, mas, de sorte, a justiça está atenta para esses casos.

Um dos fundamentos da recusa foi o de que o medicamento não era essencial ao tratamento da doença, tendo o plano, inclusive, solicitado realização de perícia para que se comprovasse a indicação do medicamento para aquele caso de câncer.

O Tribunal de Justiça afastou de plano tal alegação. Veja:

Além disso, a Apelada juntou artigo científico noticiando os

resultados de pesquisa feita com 484 mulheres na pós-menopausa indicando taxa de sobrevivência média de 20 meses para os indivíduos tratados com Ribociclibe e Fulvestranto, bem melhor do que os 12 meses das mulheres que receberam apenas placebo e Fulvestranto.

A aprovação da Anvisa e o artigo científico evidenciam suficientemente a eficácia do medicamento, sendo absolutamente dispensável perícia para verificá-lo.

Além disso, a jurisprudência consolidou o entendimento de que a prescrição do médico assistente é suficiente para determinar a necessidade do procedimento:

Compete ao profissional habilitado indicar a opção adequada para o tratamento da doença que acomete seu paciente, não incumbindo à seguradora discutir o procedimento, mas custear as despesas de acordo com a melhor técnica. Além disso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece a possibilidade de o plano de saúde estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de procedimento utilizado para o tratamento de cada uma delas. Precedentes” (AgInt no REsp 1765668/DF, Rel. Min Marco Aurélio Bellizze, j. em 29.04.2019 pela 3ª T.).

O fundamento que diz respeito à inexistência de dever de cobertura de tratamento fora do rol da ANS também foi descartado pela justiça

Quanto à alegação de que não tem o dever de cobrir tratamento ausente do rol da ANS, lembre-se que a Lei dos Planos de Saúde impõe às operadoras de plano de saúde o dever de cobrir tratamentos às condições previstas no CID (dentre as quais a retinopatia) “solicitados

pelo médico assistente” (Lei nº 9.656/1998 12 I “b”), devendo a indicação profissional prevalecer, independentemente de previsão do rol da ANS, nos termos da jurisprudência consolidada deste Tribunal:

“Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS” (súmula 102 TJSP).

Por fim, no  que se refere ao pedido de danos morais feito pela paciente pela recusa no fornecimento do medicamento Ribociclibe, essencial ao seu tratamento, importante esclarecer que a justiça tem entendido que há elementos caracterizadores do dano moral quando houver agravamento da condição de dor, abalo psicológico e prejuízos à saúde já debilitada do paciente, justamente a situação vivenciada pelos portadores de câncer que tem seu tratamento obstado pelo plano.

Sendo assim, o Tribunal condenou o Plano de Saúde a indenizar os danos morais sofridos pela paciente. Confira:

Embora o inadimplemento contratual não gere automaticamente violação a algum direito da personalidade, a jurisprudência tem reconhecido que, em casos de recusa de cobertura pela operadora do plano de saúde, a negativa agrava a situação de aflição psicológica e angústia no espírito do beneficiário, o que configura dano moral.

No caso dos autos, a beneficiária, nascida em 1965, padece de câncer de mama em metástase, passou por diversos tratamentos diferentes sem obter resultados satisfatórios e teve prescrito o uso de Ribociclib apenas em função do insucesso dos remédios empregados anteriormente.

A operadora, por sua vez, negou a cobertura do medicamento unicamente por não estar previsto no DUT da ANS, embora tenha

recursos e condições de saber que, uma vez recomendado pelo médico, o tratamento deve ser fornecido, nos termos da súmula 102, que data de 2013.

Da exposição dos detalhes da situação, conclui-se que a negativa injustificada abalou emocionalmente e ofendeu a integridade psicofísica da beneficiária, que enfrenta desafio tão grave quanto câncer de mama em metástase e não pôde contar com assistência da operadora para fazê-lo, razões por que entendo ter havido dano moral merecedor de reparação.

TJ-SP 1024182-29.2019.8.26.0564


Natalia Scalabrini

Natália Scalabrini é bacharel em Direito. Especialista em Direito Civil. Especialista em Direito Processual Civil. Especialista em Direito Previdenciário. Após se tornar paciente oncológica aos 28 anos de idade fundou o Instituto de Ensino Câncer Direitos, a primeira Escola do Brasil a tratar sobre os direitos dos pacientes com câncer.

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