Projeto de Lei que torna obrigatório o fornecimento de medicamentos orais contra o câncer pelos planos de saúde está pendente.

Olá amigos da Câncer Direitos,

Os últimos meses tem sido marcados pela tramitação do Projeto de Lei que visa obrigar os planos de saúde a fornecerem medicamentos orais contra o câncer.

Vamos entender o que este famoso Projeto de Lei pretende e como esta possível nova lei nos afetará.

As alterações sobre os medicamentos orais contra o câncer valem para o setor público (SUS) ou privado de assistência à saúde (plano de saúde)?

O primeiro ponto de destaque é que este projeto de lei visa criar obrigações aos planos de saúde. Portanto, as novidades serão aplicadas no setor privado de assistência à saúde.

Tanto assim que o projeto de lei altera dispositivos da Lei 9.656/98, que estabelece regras aos planos de saúde.

O que o projeto de lei sobre os medicamentos orais contra o câncer visa alterar?

Para evidenciar a evolução legislativa sobre o tema explicaremos, suscintamente, o que a Lei dos Planos de Saúde já previam sobre a matéria.

A Lei 9.656/98 determinava que a cobertura de tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral era de cobertura facultativa aos planos de saúde, devendo, portanto, seguir protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas de revisão periódica para a devida cobertura pelas operadoras de saúde (art.  12, § 4º).

Art. 12.  São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:           

I – quando incluir atendimento ambulatorial:

c) cobertura de tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral, incluindo medicamentos para o controle de efeitos adversos relacionados ao tratamento e adjuvantes;                     

II – quando incluir internação hospitalar:

g)cobertura para tratamentos antineoplásicos ambulatoriais e domiciliares de uso oral, procedimentos radioterápicos para tratamento de câncer e hemoterapia, na qualidade de procedimentos cuja necessidade esteja relacionada à continuidade da assistência prestada em âmbito de internação hospitalar;              

§ 4º As coberturas a que se referem as alíneas ‘c’ do inciso I e ‘g’ do inciso II deste artigo serão objeto de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, revisados periodicamente, ouvidas as sociedades médicas de especialistas da área, publicados pela ANS.               

O que isto significa?

Significa que, no que se refere aos medicamentos antineoplásicos orais para uso domiciliar será necessário respeitar as condições estipuladas nas Diretrizes de Utilização que são estabelecidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

O problema desta situação é que, além do medicamento ter que aguardar por aprovação na Anvisa, também é condição essencial que integre o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde estabelecidos pela ANS e isto só ocorre a cada dois anos!

A consequência disso é que se o paciente oncológico necessitar de um medicamento oral que não integre o rol da ANS, a única forma de ter o seu acesso é mediante processo judicial.  

Apenas para se ter uma ideia, este critério da dupla avaliação (Anvisa + ANS), não ocorre com os medicamentos antineoplásicos administrados na internação hospitalar e nem nos casos da quimioterapia endovenosa. Nestes casos, basta o registro do medicamento junto à Anvisa, pois eles são considerados de cobertura obrigatória.

Dupla verificação dos medicamentos orais contra o câncer

Acreditamos ser excessiva essa necessidade de dupla verificação do medicamento.

Ora, a Anvisa, antes mesmo de registrar qualquer medicamento, já promove rigorosa análise farmacotécnica, quanto à eficácia e à segurança.

Diga-se, inclusive, que esta investigação farmacotécnica inclui a verificação de todas as etapas da fabricação do medicamento enquanto as avaliações de eficácia e segurança são realizadas por meio da observação de estudos pré-clínicos e clínicos.

Isso implica dizer que, quaisquer medicamentos que passaram por esse processo trem evidencias clinicas de segurança e eficácia, o que permitiria sua prescrição aos pacientes, a critério do médico assistente.

Esta dupla avaliação se mostra ainda mais incoerente quando se analisa que para a concessão de medicamentos com o mesmo objetivo, mas que ministrados por via endovenosa, sob a intervenção ou supervisão direta de profissionais, dentro de estabelecimentos de saúde, não é exigida sua integração no Rol de Procedimentos e Eventos. Nestes casos apenas o seu registro na Anvisa já é suficiente para que os planos de saúde o forneçam.

Segundo a relatora do projeto no Câmara, a Deputada Silvia Cristina, os medicamentos antineoplásicos de uso oral apresentam vantagens em relação aos ministrados por via endovenosa.

São mais convenientes, eliminam a necessidade do acesso venoso, e permitem que o paciente fique menos tempo fora de casa. Alguns deles apresentam, também, menos efeitos colaterais, o que promove incremento na qualidade de vida da pessoa em tratamento . Em estudo sobre a preferência de pacientes em relação à quimioterapia, de 103 entrevistados, 90% indicaram preferir antineoplásicos orais, porque, entre outras razões, eles permitiam maior controle sobre o seu tratamento.

Como fica esta situação dos medicamentos orais contra o câncer a partir da alteração legislativa?

O novo projeto de lei passa a enquadrar a cobertura dos medicamentos antineoplásicos de uso oral como de cobertura obrigatória.

Em linhas gerais, isto significa que não mais será exigida a dupla avaliação (Anvisa + ANS), de modo que, assim que aprovados pela Anvisa os medicamentos já poderão ser exigidos dos planos de saúde.

Observe este quadro comparativo que mostra como era a lei e como poderá ficar com a alteração:

Redação da Lei 9.656/98Alteração trazida pelo PL 6.630/19
§ 4º As coberturas a que se referem as alíneas ‘c’ do inciso I e ‘g’ do inciso II deste artigo serão objeto de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, revisados periodicamente, ouvidas as sociedades médicas de especialistas da área, publicados pela ANS.            § 4º As coberturas a que se referem as alíneas c do inciso I e g do inciso II deste artigo são obrigatórias, em conformidade com a prescrição médica, desde que os medicamentos utilizados estejam registrados no órgão federal responsável pela vigilância sanitária, com uso terapêutico aprovado para essas finalidades.

Tramitação do Projeto de Lei

#1 – Senado Federal

O Projeto de Lei que teve seu início no Senado Federal, passou por sessão deliberativa aos 03.06.2020, tendo sido aprovado pelo órgão por unanimidade de votos.

Para conhecer os votos de cada um dos parlamentares no Senado sobre o Projeto, clique aqui

#2 – Câmara dos Deputados

Após a aprovação no Senado, o projeto foi encaminhado à Câmara dos Deputados, passando por votação em 01.07.2021. O projeto foi aprovado na Câmara, tendo recebido 348 votos favoráveis e 09 contrários.

Para conhecer os votos de cada um dos parlamentares na Câmara sobre o Projeto, clique aqui

#3 – Veto Presidencial

Após ter sido aprovado no Congresso Nacional (Senado e Câmara), o próximo passo para que o projeto se tornasse lei era a sanção (aprovação) da Presidência da República.

Ocorre que, em 27 de julho de 2021,  o Presidente da República VETOU (rejeitou) integralmente o projeto de lei, sob o argumento de que  a ampliação de acesso aos tratamento antineoplásicos domiciliares de uso oral contraria o interesse público.  Veja:

Comunico a Vossa Excelência que, nos termos previstos no § 1 o do art. 66 da Constituição, decidi vetar integralmente, por contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei nº 6.330, de 2019, que “Altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998 (Lei dos Planos de Saúde), para ampliar o acesso a tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral pelos usuários de planos de assistência à saúde”

Razões do Veto:

“A medida, ao incluir esses novos medicamentos de forma automática, sem a devida avaliação técnica da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS para a inclusão de medicamentos e procedimentos ao Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, contraria o interesse público por deixar de levar em consideração aspectos como a previsibilidade, a transparência e a segurança jurídica aos atores do mercado e a toda a sociedade civil, de forma que comprometeria a sustentabilidade do mercado e criaria discrepâncias no tratamento das tecnologias e, consequentemente, no acesso dos beneficiários ao tratamento de que necessitam, o que privilegiaria os pacientes acometidos por doenças oncológicas que requeiram a utilização de antineoplásicos orais.

Ademais, a obrigatoriedade de cobertura do antineoplásico em até quarenta e oito horas após a prescrição médica também contraria o interesse público, pois criaria substancial iniquidade de acesso a novas tecnologias para beneficiários da saúde suplementar ao se prever que determinada tecnologia prescindiria da análise técnica da ANS para compor o rol de coberturas obrigatórias.

Por fim, ao considerar o alto custo dos antineoplásicos orais e a imprevisibilidade da aprovação e concessão dos registros pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, existiria o risco do comprometimento da sustentabilidade do mercado de planos privados de assistência à saúde, o qual teria como consequência o inevitável repasse desses custos adicionais aos consumidores, de modo que encareceria, ainda mais, os planos de saúde, além de poder trazer riscos à manutenção da cobertura privada aos atuais beneficiários, particularmente aos mais pobres.”

#4 – Derrubada do Veto Presidencial

Mesmo com o veto (negativa) do Presidente da República sobre o projeto de lei que visa ampliar o acesso aos medicamentos de uso oral, ainda há uma chance desse cenário ser positivo.

Isso pode ocorrer se o Congresso Nacional votar pela derrubada do veto, em sessão que segue agendada para o dia 07/12/2021. 

Para a rejeição do veto é necessária a maioria absoluta dos votos de Deputados e Senadores. Isso equivale a 257 votos de deputados e 41 votos de senadores, computados separadamente. Registrada uma quantidade inferior de votos na Câmara ou no Senado, o veto é mantido e o projeto NÃO se torna lei.

A votação de vetos é nominal, por meio de cédula eletrônica de votação o que é um importante mecanismo de controle da sociedade para acompanhar e monitorar como votam os parlamentares.

Assim, caso o veto seja derrubado, as partes correspondentes do projeto apreciado são encaminhadas à promulgação pelo Presidente da República em até 48 horas ou, na omissão deste, pelo Presidente ou Vice-Presidente do Senado, no mesmo prazo.



Natalia Scalabrini

Natália Scalabrini é bacharel em Direito. Especialista em Direito Civil. Especialista em Direito Processual Civil. Especialista em Direito Previdenciário. Após se tornar paciente oncológica aos 28 anos de idade fundou o Instituto de Ensino Câncer Direitos, a primeira Escola do Brasil a tratar sobre os direitos dos pacientes com câncer.

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